A noite é longa; e a alma, leve.
Sir Frank Dicksee, Romeo and Juliet
Anticatarse
Finas e
sedosas mãos pousam suaves sobre o parapeito de meia-altura que se estende por
toda extensão da varanda. Estava à espera. Uma espera que poderia durar o cumprimento
de toda uma vida de autonegação. Seus pensamentos estavam flutuando, à deriva,
naquele oceano de calmaria, sol fraco.
Seus pés, cansados pelo dia de trabalho, já não reclamavam dos calos na
sola dos pés, que incomodam até o mais otimista dos espectadores. Sim, você,
espectador. Afinal, a quem escrevo esta história? De certo não a mim, pois
neste momento chego à cena.
Meus pés,
também cansados pelos longos passos,
estão em chamas e meus sapatos, desgastados. Encontro o seu olhar no
primeiro andar daquele prediozinho amarelado de pintura carcomida pelo tempo,
com pedaços já faltando às paredes. Havia ido lá diversas vezes antes de
decidir me mudar para outro estado a serviço do exército como médico militar.
Sempre percorria o mesmo caminho. Passava pela portaria, onde o porteiro sempre
comentava algo sobre a insegurança da rua, subia as escadas em direção ao
jardim com palmeiras e ipês amarelos, caminhava, caminhava, caminhava, até passar
pela nossa palmeira, sim, nossa palmeira grafada com as nossas iniciais, “M e T”,
dobrava à direita no fim da trilha e andava por mais cinco ipês até o
apartamento. Tudo estava lá. Da mesma forma como há dois anos. Nada mudara
desde que gravamos nossos nomes naquela palmeira. Levanto os olhos e encontros
os olhos dela. Olhos de saudade e felicidade. Olhos que não havia esquecido
durante esses longos anos.
Apesar da
distância, os seus olhos enxergavam bem e viram chegar de longe aquele rapaz
ofegante. A hipermetropia, afecção oftalmológica que só afetava sua visão para
a escrita e coisas feitas à mão, não impediu o longo suspiro de saudade dado.
As lágrimas rolavam no rosto, acumuladas por dois anos de saudade e solidão, e
o seu gosto salgado se confundia com o sabor de café que emanava das frestas
das casas naquele fim de tarde. Suas mãos, agora, ao peito tremiam levemente e
se sobrepunham sobre o coração acelerado. Desejava pular da sacada para justamente ser amparada em sua
queda pelos braços daquele que lhe prometera sempre o impossível, mas o impulso
foi substituído por paralisia que a colocou em espera até a primeira palavra
que eu pronunciaria. E ela esperou paciente, por mais uma eternidade a minha
primeira palavra.
Estava ainda
ofegante pela corrida que havia dado até o apartamento. O fôlego faltava devido
a corrida, sim, mas ainda mais por encontrá-la esperando-me à sacada, imóvel.
Ao mesmo tempo, as palavras pareciam brigar em meus pulmões para serem
verbalizadas, mas nenhuma conseguia vencer o embate e ser pronunciada. Não
sabia ao certo o que dizer. Talvez fosse melhor nem dizer nada. Apenas deixar
fluir o momento,mas uma frase conseguiu se libertar da batalha, e essa era a
que queria dizer: “Casa comigo?”. Ouvi um choro e uma palavra ao longe. Não
soube distinguir e sentei-me em um banquinho de concreto para recuperar o
restante do fôlego. Mais uma vez ouvi uma palavra, mas agora entendia: “Sim!”.
O ar agora penetrava sem resistência em meus pulmões. Estava mais leve que o
ar. Podia voar sem problemas. Meus pés não tocavam o chão.
A paralisia dela se tornou em frenesi ao ouvir aquela
frase. Não entendera o motivo da volta dele assim, tão de repente. O período de
trabalho dele na Amazonia só terminava em um mês. Não esperava nada disso. Suas
mãos cobriam seu rosto, agora inundado em lágrimas. Seus pés, descalços pela
surpresa e o aviso de ultima hora, tornaram a se movimentar e agora corriam
ligeiros pelas escadas, descendo o lance de escadas praticamente num pulo só.
Ao tocar no piso úmido e irregular do jardim, deu-se conta que havia chegado
bem perto daquele que havia agora prometido casar. Ela o abraçou e o beijou.
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